Humbertona com a irmã Fátima Bettencourt, autora do livro "Humbertona: Minha vida, o tempo & o modo" Humbertona com a irmã Fátima Bettencourt, autora do livro "Humbertona: Minha vida, o tempo & o modo" 

Humbertona: a caboverdianidade que vem do violão

A dois anos da sua morte e a um mês do lançamento, em Cabo Verde, do livro “Humbertona: minha vida, o tempo & o modo”, recordamos no programa “África em Clave Cultural: personagens e eventos” Humberto Bettencourt Santos, figura multifacetada, mas que ficou célebre sobretudo pela música, através da qual contribuiu para a luta de libertação e à qual se dedicou com paixão e originalidade, salientam tanto a autora do ilvro, Fátima Bettencourt, como os editores, Filinto Elísio e Márcia Souto.

Dulce Araujo - Vatican News

Humberto Bettencourt Santos deixou marcas indeléveis na música caboverdiana, ao ponto de se falar em tocar violão "à moda de Hubertona". Mas ele foi muito mais do que isso. Foi, segundo a autora da sua biografia, Fátima Bettencourt, um homem exemplar que, não obstante as suas reconhecidas qualidades artísticas, profissionais e humanas, manteve-se sempre humilde. E para que essa humildade não viesse a privar as gerações vindouras do seu legado, Fátima, escritora afirmada, decidiu escrever a biografia do irmão. Para isso envolveu também outras pessoas que o conheceram de perto. O livro, que será lançado no dia 14 de outubro na capital cabo-verdiana e a 16 no Mindelo é, para além de tudo isso, fruto também de narrações do próprio Humbertona. 

Estruturado em diversos capítulos conforme as fases da vida do biografado, o livro põe também em evidencia outras qualidades artisticas do Humbertona, sublinha Marta Souto da Rosa de Porcelana Editora, ao pôr em evidência algumas qualidades do Humberto que mais chamaram a sua atenção. 

Diplomata, gestor, deputado e homem de causas, Humbertona deixa uma discografia de qualidade assim como o exemplo de um grande amor à Nação cabo-verdiana, na qual acreditava firmente, evidencia Filinto Elísio na sua crónica que aqui se pode ler: 

Um registo fotográfico do Humbertona com o seu violão
Um registo fotográfico do Humbertona com o seu violão

Crónica 

Humbertona: a cabo-verdianidade que vem do violão

Bastaria o curriculum de Humberto Bettencourt, Humbertona, para estar-se ciente de uma figura não só de primeiro plano da música de Cabo Verde, mas também de uma personalidade marcante da sociedade cabo-verdiana.

A sua dimensão humana e a grandeza da sua obra encontram-se abundantemente explícitas no livro “Humbertona: Minha vida, o tempo & o modo”, de autoria da escritora Fátima Bettencourt, que a Rosa de Porcelana Editora acaba de publicar e que contém testemunhos a refletirem as diversas facetas do seu notável irmão.

Humbertona, falecido em agosto de 2023 em São Vicente, foi sem dúvida uma das grandes referências da música cabo-verdiana, pontificando a sua mestria no dedilhar o violão e deixando nome maneira muito própria de tocar e na forma como usava o bordão desse instrumento. Hoje, alguns cabo-verdianos, afoitos à música tradicional, tocam e interpretam “à moda de Humbertona”.

Nasceu Humberto Bettencourt Santos a 17 de Fevereiro de 1940, em Chã de Manilin, na ilha de Santo Antão, mas aos dois anos, altura para a vizinha ilha de São Vicente, juntamente com os pais.

Na cidade do Mindelo, estudou no então Liceu Gil Eanes, onde ganhou o nome Humbertona, para destrinçá-lo de outro jovem aluno seu homónimo.

Nos anos cinquenta, do século passado, aprendeu música com o mestre Malaquias Costa até se estrear para o grande público em 1957, no Éden Park, ao lado de Valdemar Lopes da Silva. Em 1964, integrou com o músico Tony Marques e outros, o conjunto Ritmos Cabo-verdianos, como solista em viola elétrica. E é com essa banda que gravou um EP de 45 rotações, em que ficou famosa a sua interpretação da morna Papá Joquim Paris, mundialmente divulgada mais tarde pela cantora, Cesária Évora.

Parte para a Bélgica para estudar economia, onde juntar-se-ia ao PAIGC. Humbertona tem intensa atividade cultural e política, participando com outros nacionalistas no processo de consciencialização nacional e de afrontamento em prol da independência de Cabo Verde. Olhando para o que foi a sua atuação nesse domínio, podemos associá-lo aos diversos Combatentes da Libertação que, na clandestinidade, faziam trabalho político pelas terras europeias e ele, em torno do ambiente estudantil e musical da Universidade Católica de Lovaina, mantinha viva e intensa as suas articulações em prol de Cabo Verde.

Uns versos do poeta Corsino Fortes, intitulados “Recado d’Humbertona”, retratam bem o seu perfil e posicionamento na altura. Uma verdadeira canção de exílio:

(...) Humbertona! Manhã/’ma ta ba lançode pa s’ilha/ Bô ca tem n’hum sinal d’amor/ Pame levâ bôs gente?… … …Bai! Bo dzê Soncente/ C’ma sombra dnha corpe ê cruz/ Longe de sol dnha terra… … …Bai! Bô dzê Porte-GrandePa ca tchomo-me sodade (...)

Segundo o músico cabo-verdiano Vasco Martins, Humbertona emprestou à tradição do violão cabo-verdiano uma notável particularidade: a subtileza e a elegância. E é este modo especial que cativou o violonista brasileiro Marcelo Melo que mais tarde viria a formar o Quinteto Violado, nome referencial da Música Popular Brasileira. Com este, Humbertona gravou dois trabalhos com emblemáticas sonoridades crioulas: primeiro o disco Stora Stora  e, no final dos anos 80, já com o Quinteto Violado, gravou o disco Ilhas de Cabo Verde.

A sua discografia integra sete obras de referência: Morna ca so dor, em 1979; Humbertona ma Chico Serra, em 1969; Lágrimas e dor – Mornas dedilhadas por Humbertona, em, 1969; Dispidida, Lp, em 1972; Stora stora, LP, em 1972; Sodade – Rapsódias de mornas e coladeiras, em 1973 e Dispidida d’sodade (compilação), em 1992.

A carreira de Humbertona vai para além da música. Em 1975, Humberto Bettencourt foi eleito deputado nacional por São Vicente. Serviu como Embaixador, chefe de missão junto das Nações Unidas e membro da delegação que negociou com Governo português os termos e acordos para a Independência Nacional de Cabo Verde.

Foi ainda gestor de empresas e presidente do Conselho de Administração da Cabo Verde Telecom durante mais de dez anos, cônsul honorário da Holanda e Bélgica, consultor e membro da comissão de honra da candidatura da morna a Património Imaterial da Humanidade.

Um cidadão dedicado à música e às artes, aos sonhos e esperanças da sua Nação, Cabo Verde.

Capo do livro a ser lançado em outubro 2025 nas duas principais cidades cabo-verdianas: Praia e Mindelo.
Capo do livro a ser lançado em outubro 2025 nas duas principais cidades cabo-verdianas: Praia e Mindelo.
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13 setembro 2025, 16:23