Cardeal Leonardo Ulrich Steiner. Cardeal Leonardo Ulrich Steiner. 

COP30, cardeal Steiner: a justiça pode garantir uma harmonia maior na Casa Comum

Foram retomados na manhã desta segunda-feira (17/11) os trabalhos da COP30 em Belém, porta de entrada da Amazônia. Na Zona Azul da COP três cardeais que debateram sobre o tema “Construir a justiça climática no Sul Global”. Nós conversamos como cardeal Steiner.

Silvonei José - Belém

Nos inúmeros encontros e painéis de discussões sobre várias temáticas que dizem respeito às mudanças climáticas, tivemos nesta manhã de segunda-feira no Pavilhão do Banco de Desenvolvimento para Latino-américa e o Caribe (CAF), na Zona Azul da COP três cardeais que debateram sobre o tema “Construir a justiça climática no Sul Global”.

Presentes o arcebispo de Goa e presidente da Federação das Conferências Episcopais da Ásia, cardeal Felipe Neri Ferrão, o arcebispo de Manaus e presidente do Conselho Indigenista Missionário do Brasil (CIMI), cardeal Leonardo Ulrich Steiner, e o presidente da Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA), cardeal Pedro Barreto. Junto com eles, a secretária da Pontifícia Comissão para América Latina (PCAL), Emilce Cuda.

Cardeal Leonardo Steiner
Cardeal Leonardo Steiner

Sobre o tema da justiça climática Rádio Vaticano – Vatican News, conversou com o cardeal Steiner:

Dom Leonardo, o senhor participou na manhã desta segunda-feira de um painel Construir a Justiça Climática no Sul Global. E o senhor também tomou a palavra. Que contribuição o senhor trouxe para essa reflexão.

A justiça é muito importante. Especialmente a justiça em relação às mudanças climáticas. Porque envolvem povos originários, envolvem quilombolas, envolvem ribeirinhos. Quando falamos em justiça climática não estamos falando apenas de pessoas, estamos falando de comunidades, estamos falando de povos. Povos que vivem em determinada região e vivem de maneira harmônica, justa, para dizer, no modo da justiça. Penso que abordar essa questão é muito importante, e abordar também a questão da demarcação das terras indígenas.

Nesse mesmo sentido, também, quando se fala de justiça e mudanças climáticas, como sermos justos em relação ao meio ambiente, quer dizer, aos outros seres. Os outros seres, eles necessitam de um cuidado próprio, necessitam de uma liberdade própria, que a justiça lhes pode dar na medida em que nós não cerceamos as criaturas. Então, esse modo de relações pode nos ajudar a criar um ambiente onde o meio ambiente realmente é mais harmônico, é mais cuidado e onde todos nós podemos viver em paz. A justiça também tem a ver com toda essa questão de guerra, as guerras que destroem o meio ambiente, poluem o meio ambiente, poluem as águas, destroem as florestas, destroem os cultivos. Eu penso que também a guerra precisa ser eliminada para podermos viver de modo justo, não do modo apenas do direito, mas o modo da justiça.

Manifestações COP30 - Cúpula dos Povos
Manifestações COP30 - Cúpula dos Povos

Como construir então essa justiça?

Construir essa justiça significa debatermos, aprofundarmos as questões que têm a ver com o meio ambiente como um todo. Nós não podemos ficar no horizonte do lucro, no horizonte do direito como economia. Nós precisamos aprofundar esse horizonte para podermos compreender que as relações com o meio ambiente se dão de outra forma, não de modo econômico, mas de maneira fraterna, como ensinava Francisco de Assis.

Esse modo da justiça só será alcançado na medida em que soubermos ouvir, escutar as outras criaturas, mas escutar também os povos originários, escutarmos os ribeirinhos, escutarmos também as nossas periferias que muitas vezes são atingidas justamente pela depredação, mas são atingidas também pela questão do saneamento básico, que não existe, e também não existe um cuidado todo próprio. Invade-se, se destrói e depois não se acha uma maneira de um convívio digno.

O Papa Francisco insistia. Que as nossas cidades devem ter uma determinada harmonia. Eu diria assim, deveria ter uma maneira justa de viver e de conviver.

O senhor é conhecido como o cardeal da Amazônia. Que justiça nós temos hoje na Amazônia.

Estamos longe de ter uma justiça na Amazônia. Nós temos justiça junto aos povos originários, povos indígenas. Eles têm uma maneira ajustada de viver com o meio ambiente. Nós temos uma maneira ajustada de conviver com o meio ambiente, com os quilombolas. Temos um modo de viver ajustado também com as comunidades ribeirinhas. Mas quando nós olhamos o avanço do agronegócio, quando vemos o avanço do garimpo, quando vemos o avanço da pesca predatória, nós percebemos que não existe justiça. E é preciso nós como Igreja reafirmarmos essa questão da justiça para podermos, realmente, ver se conseguimos despertar as pessoas e a sociedade para uma maneira justa, justa de viver no meio ambiente.

Simpósio da Igreja Católica
Simpósio da Igreja Católica

A Igreja se preparou para essa COP, fazendo vários encontros e um caminho para chegar até aqui. E agora estamos aqui. Que contribuição a igreja pode dar.

A igreja no Brasil vem dando uma grande contribuição, abordando a questão do meio ambiente já desde 1979. É um longo caminho que a Igreja no Brasil vem percorrendo. Porque esse caminho se firmou e ficou mais lúcido, e mais elucidado com a encíclica de Papa Francisco Laudato si. Nós vimos o horizonte, mas não conseguimos dizer qual era o horizonte de novas relações de cuidado e de cultivo. A encíclica nos ajudou muito.

Eu creio que a encíclica também teve uma importância muito grande na COP de Paris, e continua a iluminar o caminho da Igreja também nesta COP. Esse caminho que nós percorremos como Igreja é um caminho importante, marcar essa presença. Mas talvez aqui tenhamos falado muito para nós mesmos, há necessidade de cada vez mais abordarmos e abrirmos o leque da discussão, abrirmos a reflexão para os diversos setores da sociedade, para assim podermos levar adiante e abrirmos outras perspectivas, outras dimensões em relação à mudança climática.

Cúpula dos Povos
Cúpula dos Povos

Nós tivemos a Cúpula dos Povos, a participação ingente dos nossos irmãos indígenas, e não somente. Como o senhor viu esse evento, e também a participação indígena sendo ouvida ou não, nesta COP?

A Cúpula dos Povos, eu penso que pode dar a tônica da busca que fazemos na questão de resolver a questão das mudanças climáticas. Essas discussões que acontecem lá são importantes, porque são abertas, envolvem muitos setores da sociedade, envolvem justamente aqueles que mais cuidam do meio ambiente, e essa afirmação pode nos ajudar muito. E nós temos percebido na própria Igreja que esses povos têm muito a contribuir.

Mas também essa Cúpula dos Povos, na sua mensagem, coloca com clareza determinadas questões que são muito importantes quando abordamos a questão da justiça climática. E que esses povos, essa realidade da nossa sociedade, nos ajude a caminhar cada vez mais. Também nos ajude a caminhar como Igreja, para podermos...Assim dizer, não, nós... o magistério do Papa Francisco, quanto ao meio ambiente, e queremos também marcar a vida da sociedade para que a nossa relação com o meio ambiente seja cada vez mais uma relação de justiça e não apenas de direito, de posse.

Nós queremos justiça, porque a justiça é que pode garantir uma harmonia maior na casa comum. Ali talvez quando tivermos maior justiça quanto à questão do meio ambiente, certamente teremos uma casa que será comum.

COP30
COP30

Uma última pergunta, o que Dom Leonardo espera dessa COP?

Não é de se esperar muito. Por quê? Porque estão ausentes determinados estados que poderiam dar uma grande contribuição. Talvez, até por serem contra toda essa abordagem de buscarmos soluções para a mudança climática, talvez seja até bom que estejam ausentes. Mas acabamos não envolvendo e acabamos não tendo elementos decisórios no final que ajudem o mundo todo a caminhar.

Mas se conseguimos reafirmar 1,5 graus, se conseguimos agora criar para valer esse fundo que já foi aprovado em outras COPs, certamente teremos dado bons passos. Talvez seja o momento de irmos cada vez mais concretizando aquilo que as COPs já afirmaram e pensaram no passado. Isso eu espero, isso eu almejo e espero que nós continuemos nesse caminho de buscarmos uma solução.

Nós não podemos passar de 1,5 graus. A ciência diz que em algumas determinadas regiões já passou. de 1,5. Já estaríamos chegando quase a 2 graus. Isso é gravíssimo. Imagine isso para nós que moramos na Amazônia, o que isso significaria para a floresta amazônica. Seria um desastre. Que nós continuemos e perseveremos nesse caminho de propor, de discutir, de ouvir e buscarmos uma justiça climática.

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17 novembro 2025, 13:25