Visitante observa réplica de prisão no Museu "The History os Gulag" em Moscou, em fevereiro de 2022. Visitante observa réplica de prisão no Museu "The History os Gulag" em Moscou, em fevereiro de 2022.  (AFP or licensors)

A literatura, 'arma' contra a ditadura na Rússia

Livros e ensaios estão entre as ferramentas tradicionais usadas para se opor a regimes. Em alta as vendas de livros sobre as "páginas difíceis" do passado. Multiplica-se a busca por histórias sobre ditaduras e a vida de pessoas comuns sob elas. As vendas de histórias sobre os crimes de autocratas aumentaram 70%. No entanto, historiadores e escritores de romances utópicos foram proibidos.

Na Rússia, a literatura tem sido tradicionalmente uma das principais ferramentas de oposição às ditaduras, desde a czarista até a soviética, e agora também na Rússia de Putin, que, não surpreendentemente, está cada vez mais endurecendo a censura sobre todas as publicações "antipatrióticas", tanto impressas quanto digitais.

Desde a primavera de 2022, os russos começaram a reler histórias sobre os crimes da Alemanha nazista, a vida durante o Terceiro Reich e como o país se reconstruiu após a devastação da Segunda Guerra Mundial — um cenário muito próximo do que está acontecendo na Rússia hoje.

Até mesmo essa literatura histórica, aparentemente totalmente alinhada com a retórica da Vitória sobre os "nazistas" ocidentais de hoje, tornou-se uma forma de crítica ao regime autoritário e agressivo do Kremlin, e sua disseminação também é vista com suspeita, exigindo que os leitores leiam apenas versões oficiais aprovadas por órgãos estatais.

Um dos textos mais procurados a partir da mobilização do outono de 2022 foi "A Nação Mobilizada", de Nicholas Stargardt, um historiador australiano da Universidade de Oxford. Stargardt estudou a correspondência privada de alemães na época da mobilização nazista, buscando compreender como a guerra poderia ser justificada e como muitos reagiram, encarando-a como uma injustiça, um ato de selvageria e genocídio. De fato, este livro foi logo banido de todas as livrarias e bibliotecas da Rússia.

Como observa o crítico Boris Grozovsky em seu canal no Telegram, um dos fundamentos para a compreensão dos eventos é justamente a analogia histórica, que nos permite superar a falta de informação. Essa abordagem é justamente favorecida pela literatura, que, em um contexto de indecisão, confusão e crescente censura, permite comparar diferentes situações sem se aprofundar nos detalhes dos acontecimentos atuais, assumindo significados que vão além dos oficiais ou aparentes, sem correr muito risco de repressão. O mecanismo da analogia, afinal, é a base de qualquer interesse e curiosidade em relação à história, buscando compreender o presente por meio do passado.

Como não existem duas situações idênticas ou perfeitamente coincidentes, o trabalho dos historiadores profissionais consiste em "identificar todas as questões em aberto, abrindo a mente do leitor para novas considerações", como escreve o cientista político Ivan Krastev na revista Foreign Policy. As analogias históricas podem ser "arriscadas ou acidentais", mas destacam "não apenas as semelhanças, mas também as diferenças, tornando-se ferramentas muito úteis para análise" e para imaginar perspectivas políticas e sociais futuras.

Segundo as pesquisas de Natalia Vasilenok, da Universidade Stanford, as principais redes de livrarias da Rússia hoje, como Čitaj-Gorod e LiveLib, mostram um crescimento constante nas vendas de livros sobre "páginas difíceis" do passado, impossíveis de censurar completamente. As histórias de muitos regimes ditatoriais e a vida de pessoas comuns sob eles, bem como os crimes dos autocratas, estão são entre os temas mais lidos e procurados, representando 70% das vendas. Restrições a esse setor literário também começaram nos últimos meses, com avaliações de que "discutir guerras pode desacreditar as forças armadas da Rússia".

Historiadores e escritores de romances utópicos estão agora proibidos, como Vladimir Sorokin, o principal autor russo contemporâneo, mas também escritores estrangeiros como Michael Cunningham e James Baldwin, facilmente acusados ​​de "propaganda LGBT" por suas histórias sobre aspectos "não tradicionais" da vida em sociedades contemporâneas e passadas.

Desde abril deste ano, a União dos Escritores Russos começou a operar um "centro de especialistas" em analogias históricas, em estilo muito soviético, para verificar a "conformidade de cada livro com a legislação russa", com a retomada oficial da censura sobre palavras e pensamentos. Um símbolo dessa nova/velha fase de silêncio imposto foi a proibição da publicação do livro de Konstantin Pakhaljuk, "Em Busca da Antiguidade Russa", para impedir que um olhar para o passado revele a realidade da Rússia contemporânea.

*De Vladimir Rozanskij, Agência AsiaNews

Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui

28 novembro 2025, 09:35