Pe. Pasolini: Advento, tempo de espera confiante para a salvação
Benedetta Capelli – Cidade do Vaticano
"Não andarilhos sem rumo", mas "sentinelas que, na noite do mundo, mantêm humildemente a sua fé" para ver a luz "capaz de iluminar todo homem". Padre Roberto Pasolini, pregador da Casa Pontifícia, acompanha-nos numa viagem em que o tempo do Advento se torna uma oportunidade para sermos "peregrinos rumo a uma pátria", em um caminho marcado pela esperança e que tem como horzionte a salvação.
A primeira de três meditações previstas sobre o tema "Aguardando e apressando a vinda do dia de Deus", centra-se na Parusia do Senhor e introduz em um tempo singular: a conclusão do Jubileu da Esperança. "O Advento", sublinha o capuchinho, "é o tempo em que a Igreja reacende a esperança, contemplando não só a primeira vinda do Senhor, mas sobretudo o seu regresso no fim dos tempos." É o momento em que somos chamados a "aguardar e, ao mesmo tempo, apressar a vinda do Senhor com vigilância serena e diligente".
Perceber a graça de Deus
"Parusia" é um termo usado quatro vezes pelo evangelista Mateus no capítulo 24 com um duplo significado: "presença" e "vinda". Jesus compara a expectativa de sua vinda aos dias de Noé antes do dilúvio universal. Eram dias em que a vida seguia normalmente e em que Noé sozinho construiu a arca, o instrumento da salvação. Sua história levanta questões essenciais para a compreensão do que o homem moderno precisa reconhecer. Diante de novos e complexos desafios, "a Igreja é chamada a permanecer um sacramento de salvação em uma era de mudanças".
“A paz - enfatiza o Padre Pasolini - permanece uma miragem em muitas regiões até que antigas injustiças e memórias feridas sejam curadas, enquanto na cultura ocidental o senso de transcendência é enfraquecido, esmagado pelo ídolo da eficiência, da riqueza e da tecnologia. O advento da inteligência artificial amplifica a tentação de uma humanidade sem limites e sem transcendência.”
O mistério de um Deus que tem confiança na humanidade
Perceber não basta, é precisoreconhecer “a direção para a qual o Reino de Deus continua a se mover dentro da história”, retornando à capacidade profética do Batismo. Perceber a graça de Deus, “esse dom da salvação universal que a Igreja humildemente celebra e oferece, para que a vida humana seja libertada do fardo do pecado e do medo da morte”. Uma graça à qual os ministros da Igreja não podem se habituar, correndo o risco de se familiarizarem tanto com Deus a ponto de o tomarem como óbvio. Assim, tomamos consciência do mistério de um Deus que “continua diante de sua criação com confiança inabalável, aguardando dias melhores”.
Apagar o mal
O pregador da Casa Pontifícia recorda que, para redescobrir o rosto de Deus que acompanha "sua criação ferida", devemos recorrer à história do dilúvio universal, quando o Senhor vê o mal no coração humano. Esse mal não pode ser vencido pela mudança, pela evolução, porque à humanidade não serve somente realizar-se, mas também de salvar-se. "O mal não deve ser simplesmente perdoado: deve ser apagado, para que a vida possa finalmente florescer em sua verdade e beleza." Apagar, na cultura do cancelamento em que a humanidade de hoje está imersa, não é apenas destruir tudo, eliminar o que parece pesado nos outros. "Todos os dias cancelamos muitas coisas, sem nos sentirmos culpados ou causar qualquer dano. Apagamos - recorda Pasolini - mensagens, arquivos inúteis, erros em documentos, manchas, vestígios, dívidas. De fato, muitos desses gestos são necessários para permitir que nossos relacionamentos amadureçam e tornem o mundo habitável." Apagar significa abrir-nos a Deus, partindo de nossa própria fragilidade, e permitir que Ele nos cure.
A vida floresce quando Deus volta a estar no centro
O Senhor nunca se cansa de encontrar "um homem sábio, alguém que busca a Deus", assim como fez com Noé, que por sua vez sentiu a graça do Senhor. No homem na arca, Deus encontra a possibilidade de apagar e recomeçar. "Somente quando o homem retorna para viver diante da verdadeira face de Deus é que a história pode realmente mudar", enfatiza o monge capuchinho. "A história do dilúvio nos lembra que a vida floresce somente quando reconstruímos os céus, na medida em que colocamos Deus de volta no centro." O dilúvio se torna "uma passagem de recriação através de um momento de descriação". "É uma mudança temporária nas regras do jogo, para salvar o próprio jogo que Deus havia inaugurado com confiança."
Decidir não ferir
O dilúvio é, portanto, "uma renovação paradoxal da vida". Deus não se esquece da humanidade e coloca seu arco nas nuvens como sinal de aliança. O Senhor depõe suas armas com uma solene declaração de não violência. “Pode parecer - acrescenta o padre Pasolini - uma metáfora ousada, quase inadequada para falar de Deus e da forma como a sua graça se manifesta. No entanto, a humanidade, após milênios de história e evolução, ainda está longe de saber como imitá-lo.”
A Terra, de fato, está dilacerada “por conflitos atrozes e intermináveis, que não dão trégua a tantas pessoas fracas e indefesas.” A decisão daqueles que, apesar de terem a capacidade, escolhem voluntariamente não ferir é reconfortante, porque compreendem que só acolhendo os outros é que a aliança “pode ser duradoura, verdadeira e livre.”
O tempo do bem
“Vigiai pois, porque não sabeis o dia em que o seu Senhor virá”: esta é a recomendação final de Jesus. Não saber o dia e a hora deste evento criou muita expectativa no passado, sublinha o pregador, mas hoje as coisas parecem ter invertido. “A espera diminuiu ao ponto de, por vezes, dar lugar a uma subtil resignação quanto ao seu cumprimento.” Hoje, prevalece "uma vigilância cansada, tentada pelo desânimo".
O tempo de espera é o tempo de semear o bem e aguardar a vinda de Jesus Cristo. Cuidado com duas grandes tentações que afetam a humanidade e a Igreja: "esquecer a necessidade da salvação e pensar que podemos recuperar o consenso cuidando da aparência externa da nossa imagem e diminuindo a radicalidade do Evangelho". Devemos — enfatiza o capuchinho — retornar "à alegria — e também ao esforço — de seguir, sem domesticar a palavra de Cristo". Somente como "sentinelas nas fronteiras do mundo", como escreveu o monge Thomas Merton, podemos aguardar o retorno de Cristo.
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