Manuela Soeiro - figura seminal do Teatro em Moçambique
Dulce Araújo - Vatican News
Quando Manuela Soeiro deu vida, nos anos 80, ao grupo teatral "Mutumbela Gogo", ninguém acreditava no teatro em Moçambique e ter meios para levar avante a ideia de profissionalização dessa forma de expressão cultural no país não era fácil. Pôs então em ato a sua vocação empresarial, criando uma padaria, mesmo ao lado do “Teatro Avenida” que já tinha adquirido em prestações. Depressa o grupo se tornou uma referência e ponto de inspiração para outros grupos e jovens, até porque o leitmotiv era valorizar "as nossas histórias, nas nossas raízes" - explica a Manuela em entrevista ao programa "África em Clave Cultural: personagens e eventos" do dia 6/2/2025.
Intrépida e criativa, Manuela Soeiro, cujo percurso é traçado por Filinto Elísio (Rosa de Porcelana Editora) na sua crónica, sublinha, numa agradável entrevista, que agora está a pôr a tónica ulteriormente na formação, através da Escola de Teatro mesmo ao lado do Teatro Avenida. A ideia é também às Províncias e criar intercâmbio entre elas e a capital. É que volvidos 50 anos de atividades e de independência de Moçambique, se dão conta que o povo ficou um bocado à margem, que o analfabetismo é elevado.
"Tivemos culpa de não ter sido tão críticos" - admite a Manuela, ciente de que é preciso fazer mais para melhorar a situação e que o teatro tem um importante papel a desenvolver na conscientização das pessoas em cada momento da sua história. Nesta fase difícil que o país está a atravessar, há que fazer algo no sentido da reconciliação como, aliás, fizeram no passado com algum sucesso. E já estão a pensar nisso, afirma.
Seja como for, hoje o sonho da Manuela é ajudar os jovens que tenham vontade de singrar, pois considera que é dever dos mais velhos deixar um legado às novas gerações para a construção da Nação. Há que se preocupar com o país em que se vive e não ter medo de mostrar que "o teatro é fundamental no desenvolvimento da sociedade". As autoridades deveriam dar-se conta disso e apoiar mais - afirma, mostrando-se profundamente indignada com a alta taxa de iliteracia no país.
Enquanto fala connosco ao telefone, Manuela que não pára e diz até ter medo do seu dinamismo, vai cozinhando um arroz especial e a casa vai-se enchendo de gente, desde filósofos, a artistas, a jornalistas...
No fim da conversa, não se pode não sentir toda a energia, positividade, cordialidade e abertura de espírito que ela transmite. E fica a promessa de um encontro direto, e a alegria de ter falado com/para os ouvintes da Rádio Vaticano.
Crónica do Filinto Elísio sobre a Manuela Soeiro
"Manuela Soeiro, notável produtora, atriz, dramaturga e encenadora fez oitenta anos e tem mais de 50 anos dedicados ao teatro moçambicano.
Nasceu Maria Manuela de Lobão Soeiro na ilha do Ibo, na província de Cabo Delgado, a 24 de janeiro de 1945.
Órfã de pai aos 5 anos, foi posta num colégio interno, perto da capital, com duas irmãs, pois a mãe não conseguia prover as necessidades dos seis filhos. Lembra-se vivamente de uma freira brasileira, irmã Alba, cujas histórias eram contadas de uma forma teatralizada que a encantava. Quo vadis foi a primeira peça em que participou.
Formou-se em Educação Física e teve um percurso diverso. Em 1974, após a assinatura dos Acordos de Lusaca, durante o Governo de Transição, Manuela Soeiro formava animadores para agir nos Grupos Polivalentes, estabelecidos pela liderança de Samora Machel, de forma a ampliar a cidadania, saúde e educação à população. Tendo então o teatro como passatempo, um belo dia com alguns atores projetou materializar o sonho de profissionalização do teatro em Moçambique.
Com a Independência Nacional de Moçambique, em 1975, Manuela Soeiro promovia saraus culturais no então cineteatro Avenida. Em 1984, conseguiu uma concessão por 50 anos do espaço, fruto da sua atividade cultural nos tempos de luta e pós-independência, com o intuito de criar um grupo profissional de teatro. Convidou os atores com quem tinha trabalhado nos Grupos Polivalentes, e em Novembro de 1986, fundou o primeiro grupo profissional de teatro em Moçambique, o Mutumbela Gogo (em português, Mascarado).
Para apoiar a manutenção do grupo e a sua atividade profissional, em 1992, Manuela abriu uma padaria, a Txhapo Txhapo, associada ao teatro. Durante mais de 20 anos, os rendimentos da padaria serviram para garantir a sustentabilidade do teatro.
Hoje, com a escola de teatro, a intenção de Manuela é contribuir para o surgimento de novas caras nas artes cénicas em Moçambique, num período por ela descrito como "rico" e cheio de alternativas para as artes performativas, em alusão às novas tecnologias. "O que eu quero transmitir é aquilo que fez de mim aquilo que eu sou", conclui a dramaturga.
No ano passado, Manuela Soeiro criou no centro de Maputo o espaço cultural "Sabura”, uma iniciativa orientada para revolucionar o acesso às artes em Moçambique. “Sabura” é um polo que transcendente o teatro, contemplando as várias artes performativas.
O ânimo de Manuel Soeiro é o de democratizar e ampliar o acesso à cultura de todos, combatendo a tendência de elitização das artes."
Fotos - cortesia da jornalista, Paola Rolletta
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