O Papa: nos processos de nulidade matrimonial, são necessárias misericórdia e justiça
Mariangela Jaguraba - Vatican News
O Papa Leão XIV recebeu em audiência, nesta sexta-feira (21/11), na Sala Clementina, no Vaticano, cerca de quatrocentos participantes do Curso Internacional de Formação Jurídica e Pastoral promovido pelo Tribunal da Rota Romana.
O Pontífice recordou "o décimo aniversário da reforma do processo de nulidade matrimonial, promovida pelo Papa Francisco". "Em seu último discurso à Rota, em 31 de janeiro, ele falou sobre as intenções e as principais novidades dessa reforma", disse o Papa Leão, oferecendo algumas reflexões inspiradas pelo título do curso: "Dez anos da reforma do processo matrimonial canônico. Dimensões eclesiológica, jurídica e pastoral".
Leão XIV ressaltou a importância da "relação que existe entre estas três abordagens. Essa relação é frequentemente negligenciada, pois teologia, direito e pastoral tendem a ser vistos como compartimentos estanques". Segundo ele, emerge uma harmonia quando "as três dimensões são consideradas como partes de uma mesma realidade".
De acordo com o Papa, "a escassa percepção dessa interligação provém principalmente de uma consideração da realidade jurídica dos processos de nulidade matrimonial como um campo meramente técnico, que interessaria exclusivamente aos especialistas, ou como um meio que visa apenas obter o estado de liberdade das pessoas. Trata-se de uma visão superficial, que ignora tanto os pressupostos eclesiológicos desses processos quanto sua relevância pastoral".
A diaconia da verdade
"A função judicial, como forma de exercício do poder de governo ou jurisdição, insere-se na realidade global do poder sagrado dos pastores na Igreja. Esta realidade é concebida pelo Concílio Vaticano II como um serviço", disse ainda o Pontífice, recordando um trecho da Lumen Gentium a esse propósito: «O ofício que o Senhor confiou aos pastores do seu povo é um verdadeiro serviço, que na Sagrada Escritura é chamado significativamente de ‘diaconia’, isto é, ministério».
"O poder sagrado é uma participação no poder de Cristo, e o seu serviço à verdade é um caminho para conhecer e abraçar a Verdade última, que é o próprio Cristo", disse ainda o Papa, lembrando que "não é por acaso que as primeiras palavras dos dois Motu proprio com os quais foi iniciada a reforma dizem respeito a Jesus, Juiz e Pastor: “Mitis Iudex Dominus Iesus, Pastor animarum nostrarum” no Código de Direito Canônico, e “Mitis et Misericors Iesus, Pastor et Iudex animarum nostrarum” no Código dos Cânones das Igrejas Orientais.
Justiça e misericórdia
A seguir, Leão XIV ressaltou que "o juízo de Deus sobre a salvação sempre envolve o seu perdão ao pecador arrependido", e que "o juízo humano sobre a nulidade matrimonial não deve ser manipulado por uma falsa misericórdia. "Qualquer atividade que conflite com o serviço do processo da verdade deve certamente ser considerada injusta. Contudo, a verdadeira misericórdia deve ser exercida precisamente no exercício adequado do poder judicial".
Esforços para alcançar acordos
"Específico ao processo de nulidade do matrimônio, é o próprio matrimônio, por ser fundado pelo Criador". Portanto, é necessário "estruturar um caso assegurando que as partes, incluindo o defensor do vínculo matrimonial, possam apresentar provas e argumentos para sustentar sua posição, e possam compreender e avaliar as mesmas provas apresentadas pela outra parte, em uma audiência conduzida e concluída por um juiz imparcial, é um grande benefício para todos os envolvidos e para a própria Igreja".
De acordo com o Papa, "os esforços para promover a reconciliação entre os cônjuges são muito importantes nesse sentido, inclusive, quando possível, por meio da validação do matrimônio. Contudo, há casos em que é necessário recorrer a um julgamento porque o material não está disponível para as partes. É o caso da declaração de nulidade matrimonial, que envolve um bem público eclesiástico".
Segundo o Pontífice, "trata-se de uma expressão do serviço da autoridade pastoral à verdade do vínculo matrimonial indissolúvel, fundamento da família, que é a Igreja doméstica. Por trás da técnica processual, com a fiel aplicação da legislação vigente, estão, portanto, os pressupostos eclesiológicos do processo matrimonial: a busca da verdade e a própria salus animarum. A ética forense, centrada na verdade do que é justo, deve inspirar todos os profissionais do direito, cada um em seu papel, a participar da obra de justiça e da verdadeira paz a que se destina o processo".
Obra de promoção do bem nas famílias
"As dimensões eclesiológica e a jurídica, se realmente vividas, fazem descobrir a dimensão pastoral", ressaltou o Papa, afirmando que "cresceu nos últimos tempos a consciência sobre a inserção da atividade judicial da Igreja no âmbito matrimonial no conjunto da pastoral familiar".
"Esta obra é de todos na Igreja, tanto dos pastores quanto dos outros fiéis, e é de uma forma peculiar dos operadores do direito. A sinergia entre a atenção pastoral às situações críticas e o âmbito judicial encontrou uma manifestação significativa na implementação da investigação prejudicial destinada também a verificar a existência de motivos para iniciar um processo de nulidade", disse ainda o Papa.
Leão XIV concluiu, dizendo que as dimensões eclesiológica, jurídica e pastoral "levam a reafirmar a salus animarum (saúde das almas) como lei suprema e finalidade dos processos matrimoniais na Igreja".
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